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Você já começou uma leitura onde o autor apresenta uma lógica de sociedade baseada na biologia (modelo imunológico de que todo corpo estranho ao organismo deve ser combatido)? Já alguma vez na vida leu sobre isso?

“O século passado foi uma época imunológica. Trata-se de uma época na qual se estabeleceu uma divisão nítida entre dentro e fora, amigo e inimigo ou entre próprio e estranho. Mesmo a Guerra Fria seguia esse esquema imunológico…Pela defesa, afasta-se tudo o que é estranho. O objeto da defesa imunológica é a estranheza como tal.” – Byung Han

Bom, assim é o livro do filósofo Byung Chul Han, que nas primeiras páginas decifra um código de vida ao qual estivemos inseridos por muitos anos, sem provavelmente sabê-lo, e que nos traz luz à mudança de lógica ocasionada pela quarta revolução industrial e o advento das novas tecnologias.

Complexo? Na verdade, é fácil de entender quando o autor menciona o nosso modelo de sociedade atual chamado Sociedade do Desempenho, exigindo que nosso desempenho seja sempre 100%…e quando atingimos nossas metas, parece que elas nunca existiram e automaticamente sobrepomos com novas metas e objetivos. Esse modelo é permeado por um excesso de positividade, onde se refere à ação, das infinitas possibilidades de autorrealização no trabalho que nos foi “dada”, uma ideia de que podemos e somos capazes de realizar tudo o que queremos. 

O contraponto dessa positividade é a potência negativa, o não fazer, entendida pelo autor como necessária para o equilíbrio, uma vez que o indivíduo permite-se “parar”, não produzir, não reagir aos estímulos externos e exercitar a visão contemplativa da vida (reflexão). Onde estamos hoje é negação absoluta dessa potência negativa ao ponto de evitarmos inclusive sentimentos intensos como a ira e angústia, pois são vistos como paralisantes, e para evitar isso há uma “normatização” dos sentimentos extremos para que o indivíduo sinta de forma mais branda. Assim, ao invés de ira, é permitido sentir irritação, uma vez que não provoca paralisação ou mudança de estado

Não temos inimigos externos, o conceito de alteridade é destruído, constrói-se o sujeito de desempenho que tudo pode, que em nome da liberdade se auto explora, a liberdade evoca a coação a si mesmo, a pressão não vem de fora, mas de si próprio gerando desta forma a depressão e outras doenças neuronais. O imperativo que se coloca é o eu posso e não mais o eu devo, não há negatividades e resistência, o homem é sujeito de si e de suas escolhas, o que está em pauta é sua habilidade, ilimitada de poder se forjar”- Ana Flávia Costa Eccard.

Migramos de uma Sociedade Disciplinar para a Sociedade do Desempenho, cujo reflexo negativo da exacerbada hiperatividade são as doenças neuronais como o burnout e a depressão, expressão de uma profunda crise da liberdade. Onde nós exploramos a nós mesmos, somos agressor e vítima ao mesmo tempo. 

“O burnout é o resultado da concorrência absoluta. […] uma consequência patológica de uma auto exploração” – Byung Han.

Sem trazer fórmulas, respostas ou direcionamentos, o autor provoca a reflexão sobre a modernidade e seus reflexos no comportamento e saúde das pessoas. Tal tema tem sido abordado também por outros filósofos como Zygmunt Bauman em seu livro “O Mal-Estar da Pós-Modernidade”

Além da discussão entre filósofos, vemos o tema sendo cada vez mais abordado na mídia, indicando os números crescentes de casos de burnout pelo mundo e quais medidas as empresas buscam tomar para proteger seus funcionários. Esta patologia é considerada um fenômeno global onde 70% da população japonesa já relatou ter sofrido deste mal. Segundo o ranking elaborado pela International Stress Management Association (ISMA), os países com maior incidência de burnout na população economicamente ativa no mundo são respectivamente:

  1. Japão (70%)
  2. Brasil (30%)
  3. China (24%)
  4. Estados Unidos (20%)
  5. Alemanha (17%)

Como reflexo deste cenário, segundo pesquisa da consultoria Mercer Marsh, 76% das empresas querem ou já implementam iniciativas de saúde mental junto aos seus funcionários em 2020.

Em entrevista à revista Exame a CEO e Fundadora do grupo Cia de Talentos, Sofia Esteves, compartilha que sofreu uma crise desta síndrome em 2016, período no qual tinha uma rotina intensa de trabalho. Precisou ausentar-se por 50 dias de suas atividades para conseguir aliviar os sintomas, e ao retornar à empresa precisou diminuir o ritmo de reuniões e responsabilidades.

 “É tanta realização com o trabalho que você perde o limite – só que o corpo tem um limite”- Sofia Esteves.

Apesar do tema Saúde Mental ter ganhado cada vez mais relevância nas corporações, vemos ainda algumas culturas corporativas (mesmo que veladas), valorizarem aqueles que se demonstram sempre disponíveis, trabalhando 15 horas por dia, always up for the extra mile, categorizados como “de alto desempenho”e ganhando reconhecimento e premiações por tal comportamento. Empresários como o Jack Ma que defendem a prática de trabalho das 9 as 21h em 6 dias por semana, ou Elon Musk que afirmou “ninguém mudou o mundo trabalhando 40 horas por semana”.

Assim, levanto aqui esta questão…seria a sociedade do cansaço um mal necessário para mantermos nossas posições e benefícios do trabalho excessivo até encontramos ajustes no modelo atual? Não cabe a mim julgar se é certo ou errado, trago estas informações para levantar a reflexão sobre o motivo de nos comportarmos de forma automática em algumas situações…

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