Quando foi que um se desconectou do outro?
Trabalho com marketing há 15 anos e, durante este período me questionei, com base nas interações que tive com clientes de todos os tipos, em que momento agir por impulso e de forma mecânica virou um padrão de trabalho? Dizendo de forma mais simples: quando foi que a estratégia se desconectou do marketing?
O que vejo é uma série de ações sendo desenvolvidas sem uma cultura de coletividade por trás. Observo uma mentalidade que segrega e define objetivos individualizados, puramente para que uma equipe “mostre serviço”, com baixo retorno e muito desgaste a clientes e executores. Será que o mercado sucumbiu a esse ritmo frenético de realizações, no qual tudo é urgente e em que não se destina tempo para pensar? Haveria uma raiz histórica possível de ser remontada à Era Industrial ou seria a hiperaceleração dos novos tempos?
Seja qual for o conjunto de forças que nos trouxe a este momento de desconexão entre estratégia e marketing, sinto que é urgente que profissionais do setor retomem para si o papel de estrategistas e de agentes de mudança. Nos últimos anos, houve um enfraquecimento claro do departamento de marketing nas empresas e uma hipótese é a de que este fenômeno tenha uma conexão direta com a falta de foco em estratégia de verdade.
Aqui, entendo estratégia como um espaço no universo do cliente no qual nuances sejam consideradas, reflexões sejam estimuladas, trocas entre integrantes de uma equipe não sejam meramente baseadas em tarefas a serem cumpridas e que o contexto das pessoas e seus comportamentos sejam levados em consideração.
Como se nota, minha compreensão de estratégia não se estende somente a uma série de ações a serem feitas, mas também a como estas atividades serão desenvolvidas: para tudo é preciso um motivo e os passos podem ser debatidos sempre. A estratégia em si é a comunicação com propósito, a facilitação de problemas por meio da troca de ideias, sejam elas racionais ou intuitivas.
Há uma diferença entre visão estratégica — aquilo que defendo que seja reforçado no marketing brasileiro — e planejamento. Enquanto a visão é ágil e estabelece objetivos viáveis no curto prazo, especialmente em um mundo no qual as práticas podem mudar semanalmente, o planejamento sugere previsões no longo prazo cada vez mais impossíveis, pois mudanças ocorrem em espaços de tempo cada vez menores.
Dito de outra forma: a rapidez com que o mundo muda impossibilita o funcionamento de cronogramas de longo prazo. Por consequência, não há espaço para enxergarmos as pessoas como uma linha de montagem. O planejamento tradicional tende a uma lógica industrial. Já a visão estratégica que defendo nos conecta mais diretamente a contextos de criação, ou seja, com o universo de valores que sejam relevantes aos atores de determinado trabalho, priorizando-os em lugar do foco unitário em uma sucessão de metas e datas.
Um exemplo de como visão estratégica pode ser útil está no trabalho de evolução de uma marca. Essa visão passa pela análise de que grandes alcances em curtos prazos são excepcionalidades e podem depender de recursos que não temos. Não há fórmula mágica, por isso, conciliar estratégia e marketing significa também ajudar o empresário que está começando a entender que sua marca precisa evoluir gradativamente. Evitar danos à imagem de uma empresa por conta de padrões de conduta também deve e pode retornar ao escopo do marketing. A pressa e ansiedade em divulgar ações têm sido nossas piores inimigas.
O contexto mais estratégico abre oportunidade para novas formas de fazer comunicação e com isso surge uma nova configuração de empresas que prestam esses serviços. O papel delas tem sido direcionado a aumentar o conjunto de habilidades do cliente, promovendo novos comportamentos, criando processos de aculturamento e capacitação dos funcionários. Esse compromisso com a melhoria das habilidades sociais, cognitivas e emocionais das pessoas envolvidas no trabalho passa a fazer parte da entrega do profissional do marketing.
Como resultado, tais profissionais acabam redefinindo o relacionamento com os clientes, desenvolvendo parcerias genuínas que envolvem uma colaboração próxima, em vez da noção mecanicista pela qual um problema é pretensamente eliminado por meio de fórmulas prontas.
Escrito por Clarissa da Rosa, fundadora da Muta Ecossistema, que há 4 anos atua no Brasil com um novo modelo de negócio.
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